Acredito em fantasmas. Eles existem. Eu vi um. Melhor: acredito que vi. Foi nos primeiros anos de 1990. Praça da igreja central de Astorga. Por volta das 23h30. Domingo. Terminara de acompanhar evento organizado pela prefeitura, festa típica já extinta do calendário de eventos do município. Cansado, entrei no hotel e saí com uma latinha de cerveja. Sentei num banco que ficava a uns 10 metros da portaria.
Dois ou três goles depois, uma voz feminina me questiona pela costas: ‘moço. Tem fogo?’. Tentando ser engraçado, respondi: “não, só entusiasmo!’. Mas emendei: ‘ali na portaria deve ter’. Fiz o trajeto em segundos talvez. Voltei com o isqueiro. Ela havia sumido. Olhei ao redor. Nada. Não dei importância ao fato. Finalizei a latinha. Voltei para o hotel, tomei banho e dormi.
Na manhã seguinte, antes de voltar a Maringá, passei numa padaria próxima ao hotel para tomar café com meu amigo Lucas. Entre uma conversa e outra, relatei a ele o ocorrido na noite. Lembrei da moça bonita, calça jeans, camisa xadrez em tons azuis, bota de cano alto. Roupa típica das festas de rodeio, comuns na região à época. Ele brincou: ‘você viu um fantasma’. Mas ficou por isso mesmo.
Cerca de cinco anos depois, entre tantos retornos à cidade a trabalho, voltei especificamente para velório e sepultamento de um amigo. Cerimônia encerrada no cemitério da cidade, andava entre túmulos quando vi foto numa lápide. O sorriso largo e feliz chamou minha atenção. Tratava-se da mesma menina que anos antes vira na praça. Até a camisa, xadrez, que notara na época.
Firmei o olhar para me convencer que se tratava da mesma pessoa. Se não fosse, a semelhança era enorme. Saímos do cemitério num pequeno grupo. Caminhamos em silêncio. Mas a curiosidade me torturava. Abordei um amigo, antigo morador da cidade, e voltamos ao túmulo. Contei a ele a história e ele resumiu: “Essa menina estudava em Curitiba. A família morava aqui. Então, vinha com frequência. Numa dessas viagens, junto com duas outras amigas, sofreu um grave acidente a poucos quilômetros da cidade. As três morreram. Ela gostava muito de rodeio e me parece até que foi rainha de uma dessas festas”.
Olhei ainda mais fixamente para a foto e voltei no tempo. Conectei as duas imagens. Impossível não ser a mesma pessoa. Ainda tento me desvencilhar dessa lembrança e mais ainda da ideia de que vi a moça na minha frente, de cigarro apagado na mão, pedindo fogo. Ela não sorria.