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A Brasília e a noiva: na estrada da alucinação, uma história de fantasma

Banco de Imagem: kypham/ Pixabay

Banco de Imagem: kypham/ Pixabay

Algum momento do início da segunda metade da década de 1980. Então, no Estado do Paraná, diário importante do Grupo Paulo Pimentel. Se foi como tantos outros títulos tragados pela modernidade. Seja lá o que isso quer dizer exatamente. Enfim… Escrevia para um tabloide de circulação semanal. Jornal dos municípios. Um caça-níquel. Comercial ao extremo. mas havia uma margem pequena para boas reportagens. Corria prefeituras a bordo de um velho Fusca creme. Fusca. Logo do jornal nas portas. ‘Reportagem’ escrita sob o capô do motor. Na traseira, claro.

Eu e João Mantovan, fotógrafo com grave problema na coluna que não o impedia de rasgar um sorriso fácil. Trabalhava sob medicação. Analgésicos fortes. Por onde anda? Não sei. Velha Yashica nas mãos, se bem me lembro. Máquina simples, mas valente. Naquele dia, viajei sem ele. Corri trecho até Ubiratã. Logo depois de Campo Mourão. Acabei me enrolando na pauta. Golpes de um curandeiro. Preparava ‘garrafadas’ em parceria com um farmacêutico. Curava tudo. Filas para obter o remédio milagroso.

Voltava para Maringá já caindo a noite. Calor danado. Ventarola trazendo um pouco de ar puro para dentro. Barulho do motor acrescido do som ruim do toca fita. Um velho TKR. Um dia já foi clássico. Estrada ruim. Movimento quase nenhum. De repente, ultrapassado por uma Brasília. Azul clara. Não a vi se aproximar. Se foi rápida, perdendo-se numa baixada da estrada e não reaparecendo acima. Segui caminho. Alguns minutos depois, novas ultrapassagem. De novo a Brasília. Será? Não passei por ela. Mais a frente parei num posto de gasolina.

Tomei um café. Dois. Comi uma coxinha. E já levei um Sonrisal e uma garrafa de água. Azia na certa. De volta a estrada, eis que percebo a Brasília me ultrapassando. Pela terceira vez. Observo e cismo ver o sorriso de uma mulher sentada no banco de trás. Relance. Segundos que não confirmam se a impressão de outras duas pessoas no carro era fato. Não vi mais. Segui caminho com uma estranha confusão. A Brasília seria uma alucinação? Contei inúmeras vezes essa história, certo de que teria visto algo inexplicável. Assombração? Me perseguem, assumo. Ou imagino que sim.

Mais de uma década depois, ouvi um sujeito contando um fato ocorrido com ele. Maloteiro, profissão que imagino extinta, fazia a linha Maringá-Cascavel transportando documentos bancários. Tempos que a internet era projeto. Tudo era físico. Passava no trecho entre Campo Mourão e Ubiratã pelo menos três vezes por semana. Também era ultrapassado pela Brasília. Nossas memórias se conectaram. Vivemos a mesma situação. Disposto a entender melhor os fatos, fui até o trecho. Num determinado local, havia uma cruz. Ou o que restava dela. Nenhuma referência.

Fui até o posto onde há mais de uma década tomara aquele café. Não existia mais. As bombas haviam sido retiradas. A cobertura, aos pedaços, ainda estava lá. Sobrevivera um borracheiro. Contei a ele a história. Me devolveu uma outra. Se verdade, não sei. Conta-se que uma noiva fazia o trecho do sítio para a cidade. Dia do seu casamento. Viajava a bordo de uma Brasília. Ia com o noivo, o pai dela e o tio.

Pouco depois de saírem da propriedade e ganharem a estrada foram atingidos por um caminhão. Morte instantânea dos três. Ela, de vestido branco, conseguira sair do veículo. Ensaguentada, caminhara algumas dezenas de metros pela rodovia em meio ao silêncio que se seguiu ao acidente, narrou o motorista do caminhão que sobrevivera. Caiu logo à frente, morta. A Brasília continua a rodar pela estrada. Quem a vê, enxerga a bordo uma mulher com um sorriso no rosto.  Eu vi. Ou imagino que vi. Lembro e ainda me arrepio.

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