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A Nova Guerra Fria Comercial: EUA x China e o Rumo da Desglobalização

A História Sendo Escrita em Tempo Real

Talvez estejamos presenciando a formação de um novo capítulo da história econômica
mundial. Nos últimos anos, especialmente desde a ascensão de Donald Trump à
presidência dos Estados Unidos, o mundo tem assistido a um processo de ruptura
comercial entre as duas maiores potências do planeta: Estados Unidos e China. O que
começou com tweets inflamados se transformou em uma guerra comercial de grandes
proporções, cujos efeitos se espalham por todo o planeta, influenciando cadeias
produtivas, a estabilidade dos mercados e o futuro da globalização.

O Início do Conflito: De Tweets a Tarifas

O estopim para o embate comercial pode ser rastreado até 2015, ano em que
Donald Trump anunciou sua intenção de concorrer à presidência dos EUA. Seu discurso
populista e nacionalista encontrou na China o “inimigo comum” perfeito. Dados mostram
que, de cerca de 30 mil tweets publicados por Trump, quase 500 mencionavam
diretamente a China. As críticas variavam de acusações de manipulação cambial a roubo
de propriedade intelectual. Após assumir a presidência em 2017, Trump concretizou suas
ameaças com a imposição de tarifas sobre produtos chineses, principalmente nos setores
de aço e alumínio.

Em 2018, Trump declarou oficialmente a China como “concorrente estratégica”.
O conflito escalou com tarifas de 25% sobre mais de US$ 250 bilhões em importações
chinesas. A retaliação veio com tarifas chinesas sobre produtos americanos, afetando
commodities como soja e carne. Em 2019, o embate chegou ao setor tecnológico: os EUA
baniram empresas chinesas como a Huawei, alegando riscos à segurança nacional. Apesar
de acordos pontuais de “paz comercial” em 2020, o conflito permaneceu, agravado pela
pandemia e pelas acusações mútuas sobre a origem do vírus.

Com Joe Biden na presidência a partir de 2021, muitos esperavam uma
reavaliação das medidas protecionistas. No entanto, nenhuma tarifa foi revogada e a
postura dura contra a China permaneceu. Políticos democratas e republicanos parecem
estar alinhados em relação à aversão à China, um fenômeno chamado por analistas de
“sinofobia institucionalizada”. Em 2025, com a volta de Trump à Casa Branca, a tensão
se intensificou ainda mais, gerando temor até mesmo entre setores empresariais
americanos, que alertaram para riscos de desabastecimento devido ao aumento das tarifas.

O Avanço da Desglobalização

A globalização, que atingiu seu pico em 2008 com 60% do PIB global vindo do
comércio internacional, vem perdendo força. A crise financeira de 2008 e, mais tarde, a
pandemia, impulsionaram medidas protecionistas que dificultam sua retomada. As
relações EUA-China representam uma ruptura significativa desse modelo de integração.
Com tarifas que saltaram de 8% para 25% em alguns casos, e medidas como o bloqueio
à Huawei, o mundo caminha para um novo equilíbrio comercial, mais regionalizado e
instável.

A China não permaneceu passiva. Entre 2016 e 2025, o país aumentou suas
reservas de ouro de 1,5% para 7,0% e reduziu suas posições em títulos americanos de
US$ 1,35 trilhão para US$ 750 bilhões. A dependência das exportações para os EUA
também caiu: de 45% na década de 1990 para 14% em 2023. Esse reposicionamento
mostra que a China vem se preparando para um confronto prolongado e buscando
expandir sua influência, principalmente entre os países asiáticos e emergentes.

EUA e China juntos representam quase 50% do PIB mundial. A escalada da
rivalidade entre essas potências gera impactos sistêmicos. A China, que hoje é a principal
parceira comercial de 127 países, está ampliando sua influência global de forma
consistente. Enquanto isso, os EUA lideram em apenas 67 relações comerciais
prioritárias. Esse novo mapa de alianças mostra um mundo mais bipolar, onde os países
são forçados a tomar lados ou a se equilibrar entre as potências.

O Brasil no Tabuleiro Global: Riscos e Oportunidades

Historicamente, o Brasil tem adotado uma postura de neutralidade geopolítica.
Essa posição pode se tornar estratégica em um mundo fragmentado. A guerra comercial
entre China e EUA já beneficiou o Brasil em 2018, quando a China redirecionou parte de
suas compras de commodities para o mercado brasileiro. Com 70% da soja exportada
pelo Brasil em 2024 indo para a China, o país se mostra como alternativa estável. Por
outro lado, a dependência de mercados cíclicos e a ausência de políticas anticíclicas
expõem o Brasil a riscos significativos.

A busca por alternativas à China como centro industrial global já está em
andamento. Gigantes como a Apple começaram a transferir produção para países como a
Índia. Esse movimento pode beneficiar o Brasil indiretamente com aumento da demanda
por commodities e diretamente com investimentos em infraestrutura e indústria.
Empresas brasileiras, como a WEG, podem se tornar protagonistas desse novo ciclo.

Conclusão: Uma Nova Era em Construção

O mundo de hoje não comporta mais leituras simplistas. O embate entre EUA e
China é símbolo de um novo paradigma geopolítico. A globalização está em xeque, as
cadeias produtivas estão sendo redesenhadas e o capital precisa ser alocado com
inteligência. Entender a complexidade das relações globais não é um luxo: é uma
necessidade para quem deseja proteger e crescer seu patrimônio.

A disputa entre Estados Unidos e China não é apenas uma guerra comercial. É a
manifestação de uma transição de poder global que levará décadas para se consolidar. O
investidor atento precisa compreender os sinais e se preparar para um mundo em que
hegemonias dão lugar a protagonismos regionais. O futuro será moldado por decisões que
estão sendo tomadas agora — e talvez, como dissemos desde o início, a história esteja
realmente sendo escrita diante dos nossos olhos.

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