Colunista Edivaldo Magro

Paladar é como impressão digital: cada um tem a sua!

Minha vó materna, a Dinda, que nos deixou após um século de vida, tinha predileção especial por jiló. Consumia o...

Minha vó materna, a Dinda, que nos deixou após um século de vida, tinha predileção especial por jiló. Consumia o fruto de várias formas, mas o preferia refogado. Não raras vezes, o prato se instalava à minha frente sem nenhuma cerimônia – e, confesso, não estimulava em mim nenhum entusiasmo. Do aroma ao sabor, passando pelo aspecto e textura, tudo me parece muito caótico e sem sentido. Enfim, não gostava.

Mas acabei, por obrigação ou imposição, ingerindo colheradas do fruto tentando fugir de seus defeitos. Acabei por desenvolver alguma resistência e, por fim, gostando do danado do jiló. A insistência da Dinda ensinou meu paladar a encontrar algumas virtudes naquele fruto de amargor pronunciado e sabor incomum. Mas é assim: num primeiro momento, rejeitamos determinados alimentos por entendê-lo como avesso ao nosso histórico de gosto e paladar. Contudo, a questão é um pouco mais complexa. Tanto que a própria ciência ainda derrapa na tentativa de construir uma teoria definitiva sobre o paladar.

O paladar é como impressão digital: não há duas no mundo. Até mesmo uma simples azeitona pode despertar reações diferentes entre duas pessoas. Isso porque, entre outros dispositivos que disparam o gosto está a saliva, também única em cada indivíduo.  Isso tem a ver com os genes, que tornam um indivíduo mais ou menos sensível a determinado sabor. A variação se deve às sutis diferenças de composição. Se a sua saliva tem pouco sódio, um prato com pouco sal parecerá mais salgado.

Outro componente importante na experiência gustativa está o aspecto cultural. Quando se habitua a comer um alimento desde criança – e, aqui, vale a minha experiência com o jiló -, mais fácil fica de manter esse gosto na vida adulta. Isso explica, por exemplo, porque os mexicanos gostam tanto de pimentas e temperos mais picantes, enquanto para outras culturas aquilo é um exagero.   Uma coisa ninguém discute: doce é bom e amargo, ruim. No caso do doce, a justificativa é simples: trata-se do sabor mais primitivo.

O bebê, ao nascer, já é apresentado ao leite materno e sua suavidade adocicada. Então, crescemos entendendo que doce é bom. Já gostar do sabor amargo exige alguma determinação e paciência – e nem lembramos de sua função protetora. Como muitos venenos têm esse sabor, a rejeição é uma defesa do organismo. Não por acaso, as papilas gustativas sensíveis ao amargo ficam no fundo da língua – a última chance de cuspir o veneno. Parece simples, mas trata-se de um mecanismo complexo que funciona não apenas de forma orgânica, mas também está sujeito a influência externas.

Isso significa que os corpúsculos que recobrem a língua e cumprem a função de estabelecer nosso gosto por esse ou aquele alimento também podem ser ‘programados’ pela tradição e a história do que vai à nossa mesa desde a infância (evoco novamente o jiló, que acabou se tornando um fruto pelo qual tenho alguma apreciação, não necessariamente a adoração para tê-lo com frequência em meu cardápio. Mas não o rejeito).

Todos, por exemplo, têm uma memória olfativa mais forte até que a gustativa. Cheiro de café no coador pela manhã e pão assado no forno a lenha, entre tantos outros registros aromáticos, não desperta apenas o paladar, mas também lembranças. Esse processo constrói uma identidade gustativa baseada na tradição. Na prática, uma criança que aprende a comer ‘de tudo’ na infância vai levar essa experiência pela vida. O tempo, claro, refina o paladar. Tecnicamente, quem sempre comeu ovo frito terá dificuldade em apreciar as texturas ‘pegajosa’ do escargot, sem debater se é uma iguaria requintada. Mas é exatamente essa aparente contradição, entre paladares menos óbvios e a imensidão de oportunidades que se abrem na moderna gastronomia que faz a ponte entre sabores e disciplina o gosto médio. O importante nisso tudo não é transformar o paladar numa máquina capaz de apreciar apenas receitas mais requintadas, mas aprender a colocar na boca produtos saudáveis, rico não apenas em aromas e sabores, mas também em nutrientes. 



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