A recente operação da Polícia Federal, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, que levou à prisão de militares e agentes federais acusados de tramar um golpe de Estado e até mesmo o assassinato do presidente Lula e do vice-presidente Alckmin, evidencia a gravidade da ameaça à estabilidade democrática no Brasil. Não se pode subestimar a seriedade dessas investigações, que cumprem um papel crucial para resguardar o Estado de Direito. Contudo, os contornos institucionais e jurídicos da atuação do ministro Moraes despertam questionamentos legítimos sobre os limites do poder e as garantias constitucionais.
Moraes, além de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), é uma das supostas vítimas do esquema. Ele não apenas autorizou as medidas de investigação e prisões, como também lidera o inquérito que tramita na Corte, acumulando papéis de vítima, acusador e julgador. Essa centralização de funções, especialmente em um sistema acusatório como o brasileiro, parece desrespeitar princípios fundamentais de imparcialidade e devido processo legal, consagrados no artigo 5º da Constituição Federal.
O Papel de Alexandre de Moraes: Investigador, Vítima e Juiz
O caso não é isolado. Moraes já protagonizou situações semelhantes, como no polêmico Inquérito das Fake News, instaurado de ofício por ele em 2019. Nesse episódio, ele também desempenhou múltiplos papéis, conduzindo as investigações, proferindo decisões e se posicionando como vítima de ataques contra o STF. O mesmo ocorreu com o inquérito das milícias digitais, em que críticas direcionadas a ele e à Suprema Corte foram alvo de severas ações judiciais, sem o controle de outros órgãos do sistema de justiça.
Esse acúmulo de funções pode ser considerado um desvirtuamento das competências do STF, que foi concebido pela Constituição de 1988 como órgão de cúpula para a interpretação e aplicação da lei, não como instância investigativa ou acusatória. O modelo brasileiro adota a separação de funções entre o Ministério Público, responsável por acusar, e o Judiciário, que deve julgar com isenção. Quando um ministro acumula esses papéis, há uma evidente confusão entre as funções judiciais e acusatórias, rompendo com o equilíbrio necessário para garantir um julgamento justo.
O Que a Constituição Assegura?
A imparcialidade do julgador é um pilar do Estado Democrático de Direito. O artigo 5º, inciso XXXVII, estabelece que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, enquanto o inciso LIII afirma que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Essas garantias visam assegurar que nenhum cidadão, seja ele investigado ou vítima, esteja sujeito a julgamentos arbitrários.
Além disso, a Constituição estabelece no artigo 129 as atribuições exclusivas do Ministério Público, como promover ações penais públicas e conduzir investigações. Ao concentrar em si essas atribuições, um ministro do STF não apenas viola o princípio acusatório, mas também esvazia as prerrogativas de outros órgãos do sistema de justiça.
Precedentes Perigosos
A atuação de Alexandre de Moraes abre precedentes preocupantes para o futuro. Quando uma única figura reúne funções tão amplas, há um enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos. Permitir que um ministro da Suprema Corte acumule papéis de vítima, acusador e juiz fragiliza a percepção de neutralidade do STF e pode minar a credibilidade de suas decisões.
Investigações sobre crimes contra a democracia e ameaças a autoridades públicas são essenciais para proteger o Estado de Direito. No entanto, é preciso garantir que essas apurações sejam conduzidas com pleno respeito às normas constitucionais. Alexandre de Moraes, ao centralizar múltiplos papéis em investigações sensíveis, desafia os limites institucionais de sua função, levantando questões legítimas sobre a imparcialidade do Judiciário.
O momento exige equilíbrio e respeito aos valores fundamentais da Constituição. Investigar e punir os responsáveis por ações antidemocráticas é necessário, mas deve ser feito com isenção, evitando que o STF se torne uma arena de concentração de poderes e exceções institucionais. A democracia não pode ser defendida às custas de suas próprias garantias.