Costumam me cobrar pela frequência com que me refiro aos ‘enochatos’, aqueles pretensos conhecedores de vinho que não perdem a oportunidade para introduzir nas conversas seus conhecimentos. Mesmo que o assunto não seja a bebida, o sujeito crava alguma consideração. Escreveu o leitor: “me surpreende que alguém que escreva sobre vinho se refira às pessoas que gostam de falar sobre o assunto como enochatos. Me incluo entre essas pessoas, pois sempre que tenho oportunidade falo sobre alguma informação que acho legal compartilhar com amigos que apreciam a bebida”.
O enochato é o exagerado, aquele sujeito que participa de uma degustação e, quando perguntado sobre que aromas descobriu ao enfiar o nariz na taça, se sai com algo do tipo ‘banho de rio no sítio’ – e sustenta a tese de que, de fato, sentiu esse aroma. Convenhamos: o que seria um aroma de ‘banho no rio no sítio?’. Não caço enochatos, mas o identifico com frequência em lugares improváveis, a lançar seus conhecimentos para interlocutores indiferentes, que estão ali para compartilhar momentos.
Defendo a tese de que, quando um vinho é protagonista de uma reunião de amigos, algo está errado com eles. O vinho é coadjuvante sempre, como um elemento que conecta as pessoas em momentos prazerosos. Quando nos dedicamos a falar sobre vinho por horas intermináveis, damos a ele a dimensão que não tem – e revestimos a bebida, de origem humilde e simples, de um glamour desnecessário.”
A propósito disso, elenquei algumas frases que servem para identificar o enochato, um tipo particular de apreciador de vinho que domina todos os rituais e capricha em suas observações, não para provocar, acredito, mas para se impor, como se seus conhecimentos tivessem alguma exclusividade. Mas importante que se diga o seguinte: eu escrevo sobre vinhos e passei pela fase da enochatice, quando me dei conta de que as informações acumuladas em tantos cursos e degustações deveriam partilhadas por escrito. Muito eventualmente, quando estimulado a abordar uma ou outra questão que domino, falo – e muito pouco. Vamos às frases:
“Observe que as lágrimas escorregam pela superfície do cristal de forma lenta e contínua. Imagino que esse vinho tenha algo em torno de 14% de álcool”
“Sinto muita madeira no nariz. Provavelmente carvalho de primeiro uso. De maneira geral, uso de madeira por muito tempo mascara vinho de qualidade duvidosa”
“A impressão que tenho é que este vinho não estava armazenado adequadamente. A rolha está sem cor, indicando que o vinho estava guardado na vertical”
“A pinot noir é uma de difícil vinificação, em função da casca ser muito fina, o que dificulta o transporte. Caso a casca se rompa no processo, se perde características importantes da uva”
“Vocês sabem para que serve aquela reentrância no fundo das garrafas? Há pelo menos teorias para explicar o que se chama de punt. A mais aceita diz respeito ao processo original de fabricação da garrafa, no sopro”
“Observe a perlage contínua e de tamanho uniforme. Isso caracteriza um espumante de boa qualidade, produzido com cuidado pelo método champenoise (método tradicional de produção da Champagne/espumante, quando a segunda fermentação acontece na garrafa”
“Não aprecio os vinhos franceses. Acho o corte bordalês indecifrável. Além disso, os franceses são muito arrogantes. Acham que são os únicos no mundo que produzem vinhos de qualidade”
“Observe que o ullage (espaço existente entre a rolha e o líquido) está fora do padrão. Isso pode significar muitas coisas, uma dela é que houve evaporação excessiva pela rolha, indicando entrada de oxigênio por vedação defeituosa”
“Cor surpreendente, aparência límpida e brilhante, retrogosto persistente… Um vinho com todas as características que justificam a carménere como uva emblemática do Chile”
“A boa etiqueta recomenda que ao abrir um espumante (ou champagne), não estouremos. Se for num restaurante, isso chama uma desnecessária atenção”